Apenas opiniões

quinta-feira, junho 29, 2006

O busto de Antinoo



Há 10 anos atrás houve aqui em Fortaleza uma exposição de peças pertencentes ao ex-presidente Getúlio Vargas.Estribos,bengalas,chapeús,condecorações.Até aí nada demais. Porém no meio de um corredor,sobre um pedestal sem graça havia um busto antigo em mármore do jovem amante do imperador Adriano.Defronte a mim via pela primeira vez Antinoo.Eu já lera memórias de Adriano,de Marguerite Yourcenar.Apenas imaginava o que teria sido o jovem afogado (e não me lembraria do jovem Flebas de T.S.Eliot?) O busto estava desgastado,mas o brilho envelhecido da pedra evidenciava-se. Recordo de algo na placa afirmando ser o busto um dos muitos presentes que Getúlio recebeu.Estranho e encantador presente.Um dos muitos bustos que o imperador em sua furiosa paixão espalhou pelo império na vã tentativa de curar-se do efebo,de desgastar no mármore a perda. E eu finalmente a 10cm do rosto cinzelado,frio,imóvel e descolorido.A 10cm de um objeto testemunho de séculos e tão indiferente quanto são os efebos gregos. Pressenti algo do reino do amor.E da morte também.

segunda-feira, junho 26, 2006

Dentro de um livro

Abri depois de uns 2 anos o livro de poesias reunidas de Bandeira."Estrela da vida inteira".Minha estrela,num dia de chuva.Chove tanto nesses dias.Com o desaguar,saio até a varanda,inclino-me para a rua,antebraços sobre o balcão.Respingos sobre o rosto e uma lembrança frágil de um poema,um trecho apenas. E com esforço,puxo pela memória o resto desse cobertor.A chuva desaparece e parto para os livros.Procuro e Estrela de Bandeira.Sinto sua cintilação apertada entre tantas outras,luzeiro acomodado em constelações enfileiradas.A página abre sem esforço.Leio e releio.Primeiro em pensamento,depois em voz alta."Daqui a trezentos anos/Não existirei mais."
Na minha "terra queimada",entre os homens ocos,sim "A poesia restabelecerá em mim o equilíbrio perdido./A poesia cairá em mim como um raio."
Não há aviltamento que não ceda diante dessas palavras.Como uma reza forte afasta de mim os inquilinos habituais da alma cética. Tanta gente mesquinha,apodrecida caminhando pelo mundo com sorrisos imundos e no entanto há Bandeira.