segunda-feira, agosto 21, 2006

É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada
É preciso não esquecer nada: nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

Cecília Meireles
(1962)


Eis o ponto: O resto não nos pertence.Um resto imenso por sí só indiferente onde pousamos nas margens mais calmas. O pequeno gesto carregado de humanidade vale mais que os atos de glória :Aquelas conversas longas,um olhar tão absorto na teia de aranha, abrir a mão deixando escapar um punhado de areia. O trivial torna-se a essência de cada um. Quem sabe assim a beleza resgatará a vida numa unidade tão necessária que uma obra de arte nasça num abraço.